MUS Talks – A Escola de Canto de Órgão (Bahia, 1750-60) e as encruzilhadas da teoria musical setecentista.

Prof. Doutora Mariana Portas, investigadora do Grupo de Estudos Históricos e Culturais em Música do Instituto de Etnomusicologia, Música e Dança (NOVA-FCSH); autora da tese Modelos e singularidades na teoria musical luso-brasileira do Antigo Regime. A «Escola de Canto de Órgão» de Caetano de Melo de Jesus (Salvador da Bahia, 1759-60). É também Coordenadora do Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian. Entre outras funções que tem desempenhado ao longo da sua carreira, foi assessora de Relações Internacionais do Plano Gulbenkian Língua e Cultura Portuguesa, e coordenadora do Coro Gulbenkian.

______________________________________________________________________________

A Escola de Canto de Órgão (Bahia, 1750-60) e as encruzilhadas da teoria musical setecentista.

No ano 1759, em Salvador da Bahia, capital do vice-reino do Brasil, assiste-se a um drama político e social em vários actos: a expulsão dos Jesuítas e o encerramento dos seus colégios e seminários, que continham as melhores bibliotecas do território brasileiro; a instauração das políticas pombalinas de reforma e secularização da sociedade; a criação de novos polos culturais para a elite baiana, como a Academia Brasílica dos Renascidos, que congregou dezenas de letrados, senhores de engenho e eclesiásticos; o declínio do «ciclo do açúcar» e o auge do «ciclo do ouro», que levaria em 1763 à transferência da capital do Vice-reino para o Rio de Janeiro e à deslocação do eixo económico para o sul. É no mesmo ano de 1759 que o P. Caetano de Melo de Jesus, nascido na Bahia, completa o maior tratado de música escrito em língua portuguesa — a Escola de Canto de Órgão, com 2 volumes e 1.200 páginas manuscritas — e procura um mecenas para o envio dos volumes a Lisboa para impressão.

Que interesse tem para o músico atual uma investigação sobre teoria musical dos séculos xvi a xviii ? Antes de mais, permite-nos recuperar património há muito esquecido: a teoria musical constitui, por vezes, uma fonte histórica de primeira ordem e uma janela de observação das práticas musicais do passado; por outro lado, o conhecimento da teoria musical de outras épocas permite-nos compreender melhor o nosso sistema musical atual; por último, a teoria musical funcionou muitas vezes como uma plataforma de interação entre a música e outras esferas da cultura: as artes visuais, a dança, a literatura e o pensamento.